quarta-feira, 26 de março de 2008

Mulheres indígenas na construção etnohistórica de Santa Catarina: Memórias de um esquecimento

Amélia Garcia Laus, nossa avózinha


Este excerto de artigo de Cristina Scheibe Wolff, professora do Depto. de História da UFSC, faz parte de sua pesquisa “Índias pegas a laço” Mulheres indígenas na construção etnohistórica de Santa Catarina - Memórias e trajetórias. Cristina é doutora em História pela USP.
Fala da matriarca indígena da família Laus citada por Ruth e Lausimar Laus em seus livros. Leia um pedacinho em resumo:


(...) "Em “O guarda-roupa alemão”, a romancista catarinense Lausimar Laus conta a história de uma família de imigrantes alemães, vivendo em uma colônia de Santa Catarina. Um dos filhos dos imigrantes, um rapaz descrito como bonito e trabalhador, mas um tanto excêntrico, apaixona-se e resolve casar-se com alguém completamente inusitado para a família: uma índia, menina ainda, que ele encontra em um colégio de freiras em uma cidade próxima. A pequena Sacramento tinha sido capturada em uma expedição de bugreiros que, tendo matado ou afugentado todo o grupo indígena da qual ela fazia parte, ainda criança de colo, levou-a com mais algumas crianças, e talvez algumas mulheres, para o núcleo colonial que estavam “protegendo”.

O romance conta, entre outras histórias, das relações que Sacramento vai estabelecendo com a sogra alemã, rígida em seus costumes, de suas maneiras humildes, mas também de algumas atitudes altivas e resistentes. Conta das suas relações com o marido alemão apaixonado e carinhoso, com os filhos e netos.

Sendo uma história inventada com base em fatos “reais”, conforme nos conta Ruth Laus (em seu livro A Décima Carta), ela nos fala sobre a memória de uma família catarinense sobre seus antepassados, e entre estes encontra-se a carinhosa, corajosa e silenciosa avó Sacramento.

Na construção de uma imagem nacional brasileira, é recorrente a referência a ancestrais indígenas, geralmente mulheres, e situadas num momento bastante distante da história. Entretanto, quando se passa a explorar a memória individual ou familiar, as referências a esta ascendência indígena tendem a ser “esquecidas”, como se tem visto em vários trabalhos sobre a memória.

No caso das regiões de colonização européia do Sul do Brasil, e mais especificamente ainda, no Estado de Santa Catarina, esta memória chega mesmo a ser “esquecida” pela historiografia e pelas construções identitárias de caráter étnico correntes na atualidade do Estado. Em nossa pesquisa, porém, detectamos uma espécie de “memória subterrânea”, dessas guardadas em gavetas secretas, por baixo das outras coisas; ou talvez em um velho guarda-roupa alemão, como no romance de Lausimar Laus; em histórias que se conta apenas no âmbito familiar, com poucos detalhes: muitas famílias guardam (algumas secretamente) a memória de bisavós índias “pegas a laço” ou “pegas a cachorro”.

É sobre isto que trata este trabalho, sobre o contraponto entre uma memória que valoriza a ascendência européia e esta memória “subterrânea”, cheia de esquecimentos e que reluta em subir a tona, de mulheres indígenas como ascendentes das famílias, hoje “brancas”, catarinenses."(...)

Eis o texto de Ruth citado por Cristina:

“Outra figura ímpar, que seria injusto não realçar, é a de Amélia Garcia Laus, índia de puro sangue, nascida nas matas da nativa colônia Blumenau e acolhida por colonos alemães durante a infância. Ainda menina foi levada para um colégio de Nova Trento (S. Catarina), onde recebeu esmerada e austera educação que, aliada aos inatos sentimentos de amor às pessoas e à natureza tornou-se mais tarde a a exemplar esposa de Jacob, falando correntemente três línguas: alemão, francês e português. Quem teve a oportunidade de ler o romance “Guarda-roupa alemão”de Lausimar, irá identificá-la na personagem carinhosa e sábia vó Sacramento – real e legítima avó da autora.”

Leia o artigo integral de Cristina Scheibe Wolff aqui.

terça-feira, 25 de março de 2008

Ruth Laus e a Galeria Villa Rica


Nos primeiros anos da ditadura militar no Brasil, os “críticos de arte” recorreram ao repertorio ideológico da esquerda para evocar-invocar as vozes silenciadas, as representações mutiladas e os símbolos desintegrados. Em torno da “Galeria Villa Rica”, Ruth Laus forjou os restos de identidade nacional, os laços da memória simbólica do passado para unir as vítimas da historia.

Como uma “ação de arte”, Ruth Laus define seu trabalho que, em junho de 1956, se iniciou numa rua do Rio de Janeiro, com o nome “Villa Rica”. O trabalho de Ruth consistiu simplesmente em alterar a cultura ditatorial traçada na cidade para dividi-la como eixo da cultura. Para quem se organiza uma exposição? Organiza-se para um público médio, de certo nível cultural, mas sem especialização. As exposições organizadas por Ruth Laus, na Villa Rica, foram dirigidas a essas pessoas, e não só aos intelectuais e colecionadores. Para Ruth a exposição deve ser clara, de forma que o espectador possa compreender a mensagem do artista. Hoje a maioria das exposições é “manipulação, estratégia de ocupação de espaço e de invenção de poder”.

Os textos de arte reunidos no livro “Villa Rica - um tempo feliz”, por Ruth Laus, demonstram que crítica de arte é um “diálogo” com a obra de arte. As exposições realizadas, na Villa Rica, nos dias tumultuosos da ditadura militar, demonstram que, a preocupação dos críticos de arte como Harry Laus, Marc Berkowitz, Quirino Campofiorito, não era mostrar os conceitos - e, sim a obra.

O mais importante em torno da Galeria Villa Rica foi a emergência de vozes de destinos âmbitos - desde a arte, a literatura, a reflexão sobre arte - que trabalhavam buscando novas linguagens e que se deram conta que o Brasil vivia uma realidade quebrada.

Magno Fernandes dos Reis (ABCA-MG)

Magno Fernandes dos Reis é crítico de arte e professor de jornalismo cultural e crítica de arte na Faculdade de Jornalismo de Chiapas, México; É membro da ABCA e da AICA - Associação Internacional de Críticos de Arte. (Publicado no jornal da ABCA (Associação Brasileira de Críticos de Arte) em sua edição de dezembro de 2007 (Ano VI, nº 14)

segunda-feira, 24 de março de 2008

Ruth Laus – guerreira da arte

Carlos Cavalcanti, Juscelino Kubitschek,
Antonio Bento e Ruth Laus em 1971.


Perdemos Ruth Laus. Aos 87 anos ainda buscava coisas novas, trabalhava e vivia com intensidade. Nasceu em Tijucas – Santa Catarina – em 1920 e faleceu em Porto Belo, no mesmo Estado.

A contribuição de Ruth Laus para a cultura brasileira é significativa. Os críticos de arte são figuras muito especiais, mas por exercerem funções específicas e quase que restritas a um público intelectual, muitas vezes são pouco prestigiados pela mídia, com reconhecimento oficial e do grande público. Estes profissionais passam toda uma vida estudando, pesquisando, produzindo livros, ensaios, textos para catálogos, lançando artistas, acompanhando suas trajetórias, influenciando tendências, criando movimentos, registrando história, planejando exposições, salões e bienais, informando o público, buscando fazer um elo entre este, a arte e os artistas, ensinando em escolas e universidades, escrevendo em jornais e revistas, clarificando um produto sensível: a Arte. Muitas vezes são encobertos pelo véu do esquecimento, quando sem eles não existiria história em qualquer país. Basta citar alguns nomes emblemáticos do nosso Brasil, que sem suas contribuições seria profundamente mais pobre intelectualmente e sem referências: Mario Pedrosa, Sérgio Milliet, Antonio Bento, Walmir Ayala, Roberto Pontual, Jayme Maurício, Harry Laus, Flávio de Aquino, Maristela Tristão, Wilson Rocha, Maria do Carmo Arantes, Gonzaga Duque, Wolfgang Pfeiffer, Pedro Manoel Gismondi, Dinah Lopes Coelho, José Simão Leal, Olney Kruse, Wilson Coutinho, Clarival do Prado Valladares, Maria Eugênia Franco, Quirino Campofiorito, Carmem Portinho, Geraldo Ferraz, Ernestina Karmann, Marc Berkowitz, Liseta Lewy, Osmar Pisani, Carlos Flexa Ribeiro, Umberto Consentino, João Salgueiro, Flávio de Aquino, Edyla Mangabera Unger, Alcídio Mafra de Souza, Carlos Cavalcanti, Vera Pacheco Jordão, Hugo Auler, José Geraldo Vieira, Lourival Gomes Machado, José Valladares, Ivo Velame, Tomás Santa Rosa, Paulo Mendes de Almeida, Mario Schenberg, Flávio Mota, Casimiro Xavier de Mendonça, Carlos Eduardo da Rocha, Celso Kelly, Donato Mello Júnior, Enrico Schaffer, Gean Linhares Bittencourt, Gilberto Cavalcanti, Gilberto Ferrez, Ibiapaba Martins, João Cândido Galvão, Ruben Navarro, José Maria dos Reis Júnior, José Simão Leal, Lindoff Bell, Luís Washington Vita, Maria Torres de Carvalho Barreto, Mario Barata, Michel Kamenka, Murilo Mendes, Nelson Abbott de Freitas, Quirino da Silva, Sálvio de Oliveira, Silvia de Leon Chalreo, Silvio de Vasconcelos, Stefania Brill, Terezinha Bartholo, Vera Pacheco Jordão, Waldemar Cordeiro, Waldemir Alves de Souza, todos já falecidos.

A memória do bem é de obrigação registrar. Melhor ainda seria se a ABCA produzisse um livro, escrito por seus associados (quem melhor conhecesse cada crítico) para registro, estudos e fundamentações históricas. Algumas sugestões para o título: Memorial da Crítica de Arte Brasileira, Coleção Crítica de Arte – Memória, Antologia da Crítica de Arte Brasileira – Memória ou outros mais inspiradores e competentes. Ainda que seja um livro de bolso, mas registrar é obrigação da entidade de classe, pois foram eles que deram identidade nacional à critica de arte.

Ruth Laus foi secretária da ABCA na presidência de Antonio Bento de 1971 a 1974, participou da comissão de credenciais na gestão de Geraldo Edson de Andrade de 1986 a 1988.

Era uma mulher de projetos, forte personalidade, bela, elegante, loquaz, trabalhou até poucas horas antes de ter um acidente vascular cerebral. Em 1952 transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde estudou Museologia (MEC), Composição e Análise Crítica (MAM), História da Arte e Estética (Instituto de Belas Artes) e História Comparativa da Música e Artes Visuais (Escola Nacional de Belas Artes).

Em 1956 fundou e dirigiu, no Rio, a Galeria Villa Rica, nome dado pelo poeta Mário Faustino, onde promoveu intenso movimento artístico-cultural, abrindo espaço para novos talentos que mais tarde se tornariam grandes nomes das artes plásticas. A galeria permaneceu até julho de 1965, na Rua Barata Ribeiro em Copacabana e reunia artistas plásticos, poetas, escritores, intelectuais brasileiros e estrangeiros.

Ruth Laus iniciou, aos 14 anos, atividades jornalísticas colaborando com um semanário dominical em sua cidade, Tijucas. Em 1957 estréia coluna de artes plásticas no O Jornal – Rio de Janeiro – onde permaneceu por um bom tempo. Assinou colunas na Revista Gam e Leitura. Produziu, dirigiu e apresentou o programa Studium na extinta TV Continental sobre arte e artistas.

Viajou pelo Itamaraty, proferindo palestras sobre arte brasileira pela América Latina e Europa. Escreveu vários romances premiados. O mais importante, “Viagem ao Desencontro”, teve apresentação elogiosa de Adonias Filho. Nos últimos anos vivia para divulgar o trabalho de seu irmão, o, também crítico, Harry Laus. Tinha deixado o Rio de Janeiro aos 80 anos quando comentou: “Aqui no Rio está muito violento, prefiro morrer na praia de Porto Belo”. Aconteceu como ela quis.

César Romero (vice-presidente da ABCA-Norte/Nordeste)

César Romero é pintor, fotógrafo e crítico de arte. Formado em Medicina e especializado em Psiquiatria, participou de mais de 450 exposições coletivas e 39 exposições individuais no Brasil e no exterior. (Publicado no jornal da ABCA (Associação Brasileira de Críticos de Arte) em sua edição de dezembro de 2007 (Ano VI, nº 14)

quinta-feira, 20 de março de 2008

Ruth e Miguel Angel Candioti

Em foto e texto de Vinicius Alves: "A escritora catarinense Ruth Laus e o escritor argentino Miguel Angel Candioti (filho do "Tiburón de Quillá", citado no livro Rayuela - O jogo da amarelinha - de Cortázar), no apartamento de Ruth, em Porto Belo, num fim-de-semana qualquer. Hoje, ambos moram em Alhures do Sul. Saudades!"
(do Blog de Vinicius Alves)