segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Uma Viagem de Ruth

Cesar Laus Simas*

O livro de Ruth surpreende pelo envolvimento sentimental que nos prende do início ao fim. São bons momentos de leitura e de afinidade. Ler, estar nesta Viagem ao Desencontro nos leva a muitas paragens. Passamos pela França, Itália, Egito, Argentina, Brasil e pela pequenina, não em importância, mas amada Tijucas.

Sentir as personagens retratadas de forma completa, simples e objetiva demonstra o potencial da escritora. Mais; demonstra sua versatilidade, sua capacidade criadora. Demonstra sua vida. Ali, nas entrelinhas de Paula, vemos as experiências vividas ou conhecidas de Ruth. Nestas condições a nós fica claro que ela veio pra ficar. Seu romance mostra, em poucas páginas, sua riqueza, seu conhecimento, sua cultura, sua qualidade e capacidade observadora. Mais ainda, sua delicadeza de ser quem tudo vê, tudo apreende, tudo sente e tudo aspira. Ela tem uma imensa capacidade de viver e lutar que a poucos é permitido.

Ruth tem na Viagem uma maneira especial de narrar, tem uma linguagem que observa detalhes e nos faz imaginar as minúcias; tem uma delicadeza de tratar suas personagens e, com isto, elevar os sentimentos do leitor. Ela domina, completamente, os pensamentos das personagens. Seu irmão, Harry, uma vez me disse que “fazer literatura significa dominar completamente o pensamento da personagem”. Ruth faz isto com maestria em seu romance de ficção. Ela retrata a vida em torno da história apresentando sua coragem, não a coragem de Paula, mas a coragem de Ruth Laus. Seu livro é sua confissão de vida ainda em vida. Era para ela não perder seu tempo no confessionário mais tarde.

Seus desencontros amorosos, tanto da personagem como da autora, levaram e lançaram Ruth em busca da distribuição do seu amor aos irmãos e sobrinhos. Dar, mas à sua maneira. Com esta sua angústia de dar e não querer receber muitas vezes ela machucou os mais sensíveis, causou lágrimas em quem ela não queria. Ela sabia, sua armadura de sofrimentos de amores passados não permitia uma maior proximidade. Ela não se permitia ser amada com ‘mãe’. Só como mulher. Com isto ela foi uma só, presente e rodeada de pessoas que lhe admiravam, que lhe emprestavam um certo carinho. Com isto ela lapidou seu gênio indomável, corajoso, livre. Hoje, após ler a sua Viagem, sei que a conheço mais.

Ruth deixou em todos uma lacuna de presença. Um aperto no coração. Uma lágrima que teima em cair. Em alguns, mais do que em outros. Em nós, seus sobrinhos, filhos de seus irmãos queridos, ela deixou uma imagem de doação, de desprendimento. Ela doou seus bens materiais em vida e nos deixou a sua maior riqueza: seus pensamentos, seus livros, seus quadros. Em nós, seus sobrinhos, filhos dos filhos de seus irmãos amados, ela deixou lágrimas azuis e uma saudade incolor. Ela deixou uma angústia que abafa nosso choro, mas nos faz lembrar do sorriso maroto, das tiradas inteligentes, das sátiras e das broncas que magoavam nossos pequeninos corações. Suas broncas não eram para os corações. Eram para a personalidade.

Tia Ruth queria receber de nós amizade e amor, incondicionalmente. Eu não consegui lhe dar. Fui apenas um sobrinho pequeno. Sinto não ter tido a grandeza de ter sido seu amigo fiel, ou ter a coragem dizer que lhe amava, que lhe admirava. Mais, no seu último dia tomei decisões que não eram de seu desejo e as terei que carregar sozinho. Meu reconhecimento talvez tenha vindo tarde para ela. Não para mim.

Beijo grande,

Cesoca pipoca

Ps. Tentamos, seus sobrinhos, todos, cada um a sua maneira, realizar mais este seu desejo: publicar a reedição da sua Viagem. Ficou bonita. Esta é a nossa última homenagem a ti que fostes em tua Viagem ao Desencontro. Muitas últimas nós ainda faremos. Tia Ruth, leve o nosso enorme agradecimento, profundo reconhecimento e eterno carinho. Leve, também, por nós, o nosso beijo azul para os nossos pais amados e para os pais dos nossos pais queridos – Oliveirinha, Jenny, Didi, Té, Jayme, Egeu, Alceu, Éti, Córa, Harry, Ogê e Belela, e aos que não conhecemos (Zínia, Ogê e Plínio) e aos seus amores também. Ah, e para os nossos avós também. Os cinco.

Ruth Laus fez sua viagem em 87 anos, 7 meses e 17 dias. E noites. De 25/1/1920 a 12/9/2007.


Cesar Laus Simas




(texto escrito para a terceira edição do livro Viagem ao desencontro.)

*Cesar Laus Simas é sobrinho de Ruth Laus. É jornalista e professor da Univali, especialista em Marketing pela Udesc.

1 Comentários:

Às 13 de outubro de 2007 às 19:24 , Anonymous Anônimo disse...

Hoje sob através de um senhor escritor amigo em comum -Renard Perez- de Ruth Laus do falecimento dessa mulher incansável, que soube contribuir enormemente pela cultura de seu país e por que não de nós mesmos. Quando estive em Santa Catarina procurando saber sobre Harry Laus, foi calorosa, amiga, gentil, uma personalidade marcante que foi um prazer ter convivido, mesmo que brevemente.
descobri este memorial dessa mulher que se não foi um enigma, foi luz, foi norte. Pura dedicação à vida e ao irmão
obrigado Ruth.
bjs ;)

 

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